As formas naturais de combater as mudanças climáticas são as mais eficientes. Por esse motivo, investir em nature-based solutions (NBS) é um mecanismo essencial para cumprir metas de redução de emissões do Acordo de Paris. Nesse contexto, a Biomas, empresa brasileira que tem como objetivo restaurar, conservar e preservar 4 milhões de hectares de terra em 20 anos, vai começar a trabalhar com projetos focados em NBS.

A Biomas é uma empresa que nasceu da vontade de grandes companhias brasileiras, como como Vale, Suzano, Marfrig, Santander e Itaú, de desenvolver novos modelos de negócios sustentáveis, com o potencial de gerar impactos positivos nas esferas social, econômica e climática. 

Natália Braga Renteria é Diretora de Assuntos Regulatórios da Biomas e, nesta entrevista, ela fala sobre as Soluções Baseadas na Natureza (NBS) e como valorizar a riqueza natural do Brasil por meio de ações que beneficiam as comunidades locais, o país e o mundo.

ITV: O que são as Nature Based Solutions?

Natália: As NBS, além de serem uma vantagem comparativa para o Brasil, são um requisito mundial. A ciência do clima já provou que, tão essencial quanto os esforços de adaptação econômico do nosso modo de produção baseado em energias fósseis, que precisa mudar, é a manutenção e a restauração do nosso capital natural, que são nossas florestas e ecossistemas. O equilíbrio climático não se sustenta se a gente não conseguir recortar esse buffer natural que a gente tem no mundo: o que está de pé tem que continuar de pé, não pode cair. E existe ainda uma pressão de desmatamento muito grande, ao mesmo tempo em que existe a necessidade de reconstruir o que foi destruído, o que foi já explorado de forma predatória. Mesmo que a gente tire todo o carbono da atmosfera, a conta não vai fechar. Então o equilíbrio climático que inclua soluções baseadas na natureza é absolutamente essencial.

Como a Biomas atua nessas soluções? Qual o papel da empresa nesse assunto? 

A Biomas está numa fase muito inicial ainda, então a gente não tem nenhum case 100% formulado. A gente está em um momento de escolha dos pilotos. O foco da Biomas é múltiplo, a gente tem a atuação em diversos ecossistemas, porque a gente entende que cada um tem a sua importância nesse equilíbrio que o país precisa recuperar. Mas a gente tem um foco muito grande na Amazônia, na Mata Atlântica e no Cerrado – são nessa ordem os biomas inicialmente prioritários. Já estamos em pipeline com a Vale, no sentido de utilizar as capacidades que nossos parceiros já têm desenvolvido: um conhecimento embarcado muito grande. Aproveito para parabenizar o ITV pela produção de conhecimento. Com base nisso, a gente tem identificado áreas de intensa degradação, principalmente na região amazônica, e a gente vai direcionar esforços para esses locais. Então, no pipeline de projetos da Biomas, como atividades prioritárias, há duas frentes que a gente tem abertas. A primeira é no estado do Pará, de áreas profundamente degradadas e que têm uma função de conexão de maciços florestais. E a gente procura maximizar os efeitos do impacto regional que aquela restauração vai ter. A segunda é na Mata Atlântica, no sul da Bahia, onde a gente tem também uma oportunidade muito delimitada de restauração de áreas que foram profundamente degradadas.

Como as NBS impactam a sociedade e como inserir as pessoas nessa discussão?

Existem duas frentes de atuação relacionadas à sociedade. Primeiro, um reconhecimento da comunidade que vai estar diretamente envolvida nesses projetos, porque o fator humano é central. Então, a gente parte sempre de qual impacto os nossos projetos estão gerando naquela região e de como a sociedade se envolve: existe todo um cuidado de envolvimento daquele grupo de pessoas locais. A outra dimensão é fora da localidade alvo ou diretamente atingida, que está relacionada à sociedade compreender e apoiar a necessidade desses novos modelos de negócio. Eu acho que é algo ainda pouco falado e a gente tem que tratar da necessidade de virada de um capital filantrópico para um capital catalítico, que é algo que passa por uma conscientização de setores econômicos. A sociedade precisa entender a importância desse movimento, ou a gente não conseguirá sair de um momento e chegar em outro.

É preciso dialogar com outros países?

O diálogo com outras nações é intrínseco à questão. O reconhecimento do problema climático nasceu de uma convenção internacional, da ONU, e as nossas ações têm que ser coordenadas com ações internacionais. E esse momento de valorização de soluções baseadas vem do reconhecimento, de diversos países, de que apenas soluções energéticas não trariam respostas. Isso tudo foi um amadurecimento que aconteceu a nível global e que foi sendo fragmentado e ramificado nacionalmente. Hoje, os maiores compradores de crédito de carbono, que é elemento financiador desses projetos, são empresas e nações internacionais. Por isso, toda ação no Brasil tem que ter um nível de credibilidade e de integridade muito elevada, dentro dos padrões internacionais, para que possa ser reconhecida lá fora e chegar nesse mercado. Então é uma ação local com amplitude internacional, e essa é a própria essência do clima. O que a gente faz aqui tem resultado no mundo inteiro e vice-versa.

O Brasil é um país estratégico em toda essa conversa?

Além do Brasil diplomaticamente ter sido envolvido com essa questão ao longo dos anos, muito ativo nas negociações, a gente tem uma base tropical que poucos países têm: é um celeiro de floresta tropical e biodiverso muito significativo. Brasil e Indonésia estão no topo de oportunidades de vegetação florestal. O clima tropical é importante, porque a capacidade de gerar impacto climático em maior escala é maior nesse ecossistema. Então, a ação que conseguir ser implementada no Brasil, até pela ligação com o desenvolvimento socioeconômico, vai reverberar no mundo. Há um resultado direto, climático, que é a questão da remoção de carbono da atmosfera, mas existe também um modelo de desenvolvimento socioeconômico que pode se cristalizar e que pode servir de exemplo para outras nações que têm seu capital natural degradado. O Brasil é uma vitrine de ações ambientais e socioeconômicas do sul global.