11/08/2021

“O Brasil possui uma enorme diversidade e o patrimônio genético pode se materializar em prosperidade para os povos nativos e para o país.” – Guilherme Oliveira

Botânico e pesquisador italiano, Stephano Mancuso, em seu último livro, “A Nação das Plantas” (Ed. Pergaminho, 2020), se permite uma brincadeira, criando uma espécie de Constituição dos Direitos das Plantas, com oito artigos. O tom lúdico faz parte do estilo do autor. Mas, a sério, ele adverte para uma absoluta desinformação, para uma total incompreensão “das regras que regem a existência de uma comunidade de seres vivos”.

“Últimos a chegar ao planeta, comportamo-nos como crianças que provocam desastres, desconhecendo o valor e o significado das coisas com que jogam”, diz Mancuso.

À afirmação do biólogo, podemos acrescentar: com a ajuda da tecnologia, a humanidade vem se redimindo. Estudos que capacitaram o sequenciamento do DNA tornaram possível viabilizar a genômica, ciência que há vinte anos vem crescendo significativamente, rompendo fronteiras, avançando no sentido de descrever o mapa das funções de cada organismo.

Para isto, é preciso ter acesso à informação e tecnologia, considerando que conhecer o patrimônio genético é essencial para a proteção da natureza. E é aí que entra a contribuição do Instituto Tecnológico Vale Desenvolvimento Sustentável (ITV DS). Segundo o biólogo Guilherme Oliveira, Gerente de Conhecimento Científico do ITV DS, “chamamos associações, grupos de conservação acadêmicos e ONGs para conversar. Queremos contribuir para o processo, gerando essa informação básica, que é importante para a tomada de decisão sobre a conservação das espécies”.

A decisão à qual Guilherme se refere é das mais necessárias quando o tema é conservação da biodiversidade. Não só para a proteção da natureza, como para encontrar soluções para problemas humanos através da biotecnologia e desenvolver cultivares que vão gerar renda para famílias e para os povos nativos. O estudo do genoma está sendo usado para monitorar espécies de plantas da Canga dos Carajás e de invertebrados das cavernas de Carajás.

No vídeo “DNA da Amazônia”, lançado pelo ITV DS no dia 17 de julho, uma das cenas revela a importância desta ação para ajudar a identificar as espécies – da flora e da fauna – e apoiar o desafio de se conservá-las. É quando a imagem convida o espectador a caminhar devagar, pisando no solo amazônico.

“Quando se anda pela floresta, temos um patrimônio genético que ainda não foi identificado, pela a ciência contemporânea. O DNA das espécies está no meio ambiente. Os bichos todos descamam células, há aqueles que morrem, defecam, e este DNA está presente a floresta, no solo, na água e no ar. E se conseguimos amostrar este ambiente, conseguimos amostrar a diversidade de espécies que está no ambiente ”, acrescenta Guilherme Oliveira.

Uma das associações convidadas pelo ITV DS a sentar à mesa para conversar sobre o DNA da Amazônia foi a Associação de Zoológicos e Aquários do Brasil. Para a presidente da organização, Mara Marques, o termo de cooperação com o ITV DS está sendo fundamental para fazer a gestão ex-situ de 25 espécies ameaçadas de extinção.

“As espécies estão sob cuidados humanos e precisam de apoio estratégico para que possam ser utilizadas para ações de conservação. O primeiro passo para isso é conhecer a população, fazer um diagnóstico, e o estudo do genoma é uma ferramenta de reforço para isso”, disse Mara.

Está sendo montada, assim, uma base   de dados genômica e genética não somente para a região do Sudeste do Pará, mas também para a Região Amazônica como um todo. É como se, ali, estivesse gerando uma assinatura ambiental.

O projeto é, em 2022, continuar mapeando e revelando o patrimônio genético da Amazônia, além de expandir o banco de informações que contribuirá para a bioeconomia e para a proteção desse ecossistema.

Quatro perguntas para Guilherme Oliveira, biólogo e Gerente Científico do ITV DS

1 – O que é genômica?

Guilherme Oliveira – É o estudo do conteúdo do DNA que existe em cada célula do organismo. O DNA contém o mapa das funções deste organismo. O estudo da genômica visa a descrever este mapa e compreender as funções do organismo.

2 – Por que a genômica é importante para preservar a biodiversidade?

Guilherme Oliveira – Por gerar uma visão muito profunda e completa dos organismos, a genômica se tornou uma ferramenta muito poderosa para o estudo das espécies. Quando você não consegue preservar, minimamente, a diversidade genética de uma espécie, ela pode ter risco de ter um colapso populacional. Mas a genômica também ajuda a encontrar soluções para problemas humanos através da biotecnologia e desenvolver cultivares que vão gerar renda para famílias e para os povos nativos. O estudo do genoma está sendo usado para monitorar espécies de plantas da Canga dos Carajás e de invertebrados das cavernas de Carajás.

3 – Como o ITV tem contribuído?

Guilherme Oliveira – Estamos chamando associações, grupos de conservação acadêmicos e ONGs para conversar. Queremos contribuir com o processo, gerando informação. Nosso papel nesse processo todo vai ser, primeiro, o de criar uma referência genética de alta qualidade para as espécies, porque isso subsidia todos os trabalhos que vêm depois. E fazer os estudos de diversidade genética das espécies.

4 – O estudo genômico é feito antes de se decidir sobre a supressão vegetal?

Guilherme Oliveira – Sim. A descrição da biodiversidade vem bem antes, para ajudar na tomada de decisão de quais áreas podem ou não podem ser utilizadas para atividades humanas. Precisamos garantir que não haverá perda de espécies. Fazemos uma descrição do ambiente para viabilizar o uso sustentável de recursos naturais e, com isso, ajudamos a dar maior robustez ao processo de decisão.

Quatro perguntas para Mara Marques, presidente da Associação de Zoológicos e Aquários do Brasil, parceira do ITVDS no Projeto DNA da Amazônia

1 – Por que é importante o estudo genômico para tentar conter   a extinção de espécies?

Mara Marques – Vou responder com um exemplo: há onze anos uma cabra exótica, de um país muito frio, que estava ameaçada de extinção, recebeu, em seu habitat, cabras da mesma espécie, mas que viviam numa região quente. As cabras foram levadas com o objetivo de tentar conter a extinção. Elas se reproduziram, mas o fator ambiente exerceu uma função nos genes delas, e muitas morreram. Todas essas modificações que ocorrem numa espécie aparecem no genoma. A genética da conservação facilita o diagnóstico das espécies em extinção, porque ajuda a identificar alguns mecanismos ligados ao desaparecimento da espécie.

2 – Criar Unidades de Conservação também é uma ferramenta importante para as espécies ameaçadas. Como a genômica dialoga com as UCs?

Mara Marques – O estudo da genômica é importante porque pode apontar a importância de uma determinada área e recomendar que ali seja uma Unidade de Conservação. Um estudo prévio leva a essa conclusão. Até nisso o estudo genômico auxilia para que os tomadores de decisões invistam em determinadas áreas.

3 – Há exemplo de alguma espécie amazônica que esteja sendo monitorada pós estudo genômico?

Mara Marques – O cachorro vinagre, que recebe este nome porque tem a cara vermelha, é nativo da América do Sul e extremamente vulnerável. Tem populações distintas na Amazônia. Há também o macaco aranha de cara branca. Os perigos que essas espécies enfrentam são diversos, e essas populações não estão conseguindo se reproduzir na velocidade com que estão se extinguindo. O estudo de genoma diz várias coisas sobre essas espécies: qual a população com a qual estamos trabalhando, quem são os indivíduos, quem a gente pode cruzar com quem… ela é uma ferramenta que vem contribuir com aquilo que a gente já fazia. E nos orienta, no sentido de mostrar onde podemos reproduzir esses bichos.

4 – Como funciona a parceria entre ITV DS e Azab?

Mara Marques – Desde 2018 fazemos a gestão ex-situ de 25 espécies da fauna nativa brasileira ameaçadas de extinção. Naquele ano, fizemos um acordo com o ICMBio. Em 2021 começamos a conversar com a Vale, que trabalha também com a questão do genoma, da microbiologia, e tudo isso vem muito ao encontro do que temos como objetivo.