04/08/2022

Um estudo feito por onze pesquisadores do Instituto Tecnológico Vale Desenvolvimento Sustentável (ITV DS) pode ser utilizado por quem se debruça sobre um dos temas prioritários para a restauração de ecossistemas, as mudanças climáticas. Aos desafios impostos pela aceleração das mudanças climáticas, que inclui um esforço grande para conter o desmatamento e a degradação florestal em curso e prevenir ainda mais sua deterioração. Os pesquisadores apresentam uma abordagem multicritério para definir a prioridade de áreas para restauração florestal na bacia hidrográfica do Rio Itacaiúnas.

Vale lembrar que as Nações Unidas declararam, no ano passado, que entramos na “Década da ONU da Restauração de Ecossistemas”. A pesquisa, portanto, contribui para o planejamento de ações alinhadas com este objetivo. Aqui no Brasil, o desafio ganha contornos sensíveis. Dados do MapBiomas divulgados em agosto de 2020, mostram que o Brasil perdeu 87,2 milhões de hectares de áreas de vegetação nativa, de 1985 a 2019. Isso equivale a 10,25% do território nacional. O ritmo de perda de vegetação nativa acelerou no Brasil entre 2018 e 2019. 

Os critérios selecionados pelos pesquisadores do ITV DS no estudo sobre a priorização de áreas para recuperação florestal foram: melhorar a conectividade florestal; proporcionar refúgios climáticos para a biodiversidade; mitigar os impactos do desmatamento na vazão e melhorar a probabilidade de regeneração natural.

A pesquisadora do ITV DS Rosane Barbosa Lopes Cavalcante, doutora em Recursos Hídricos e Saneamento Ambiental, primeira autora do trabalho, explica a importância de se restaurar os ecossistemas, não só como auxílio nas questões climáticas, aumentando a área florestal, como também para prevenir a extinção das espécies e, dependendo de como é feita a restauração, também para ajudar a reduzir a pobreza.

Sabe-se, porém, que os custos de restauração são elevados. Neste sentido, o estudo feito pelo ITV DS se alinha com a meta da Vale, de proteger e recuperar mais de 500 mil hectares de florestas até 2030.  

Os critérios apontados no estudo podem ajudar quem quer fomentar e investir em recuperação florestal, a exemplo do Fundo Vale, a encontrar, entre as áreas degradadas, aquela que poderá gerar mais benefícios para a conservação da biodiversidade.

“Este tipo de trabalho pode mostrar para investidores, por exemplo, se houver dúvida entre duas áreas dentro da Bacia na qual investir ou fomentar, qual aquela que daria mais co-benefícios para a biodiversidade. O trabalho pode ser usado amplamente, pois está embasado em métodos científicos e é disponibilizado”, explicou Rosane.

Líder de gestão e mensuração de impacto e inovação socioambiental do Fundo Vale, Juliana Vilhena explica que a meta da Vale para 2030 é, justamente, “fortalecer os negócios que mantenham a floresta em pé ou que atuem para diminuir o desmatamento e preservar a área”.

Buscando parcerias e diferentes modelos, o Fundo Vale elegeu como maior esforço, este ano, trazer mais ganhos para a biodiversidade, para os serviços ecossistêmicos de forma geral, ajudando a obter ganhos socioeconômicos e o bem-estar das populações da floresta. O caminho para cumprir esta meta é facilitar o acesso aos investimentos, criando competitividade para os produtos da floresta.

O estudo do ITV DS, portanto, dialoga e se engaja com os objetivos do Fundo Vale.

Entrevista/ Rosane Barbosa Lopes Cavalcante, ITV DS

Por que o ITV DS decidiu fazer este estudo?

Rosana Cavalcante – Porque os ecossistemas estão muito degradados e temos que fazer um esforço, não só para prevenir mais degradação, como também tentar reverter aquilo que já foi degradado. No Brasil, onde há muita área degradada, temos a Lei de Proteção da Vegetação Nativa, que todo mundo conhece como Novo Código Florestal – que já faz dez anos – que fala das áreas de preservação permanente e da  reserva legal que toda propriedade tem que ter, mas que não é plenamente cumprido. Mas não é o que está sendo feito. Ou seja, tem muita recomposição florestal que deve ser feita nas propriedades para adequação legal. Como se sabe, a restauração dos ecossistemas é necessária para ajudar a conter as mudanças climáticas – o que se pode conseguir aumentando a área de floresta –  como também a prevenir a extinção das espécies. E, dependendo de como é feita a restauração, ainda é possível ajudar a reduzir a pobreza. Nesse nosso trabalho, nosso objetivo principal foi a conservação da biodiversidade.

Este estudo, então, serve como uma sugestão para atores que quiserem investir na restauração florestal. E por que a área escolhida foi a Bacia do Rio Itacaiunas?

Rosane Cavalcante – Porque é uma área grande – tem cerca de 42 mil metros quadrados, semelhante à  Suíça – e sobre a qual o ITV DS já tem muitos dados.  Além disso, é uma área que tem unidades de conservação e terras indígenas que foram muito desmatadas nas áreas não protegidas. Nossa pergunta foi: onde reflorestar no entorno para ajudar? Isto é bem importante quando se está falando sobre biodiversidade, porque as espécies precisam ter áreas para circular, não adianta ter só um cantinho preservado.

O título do estudo fala em abordagem multicritério. Quais são os critérios abordados?

Rosane Cavalcante – Melhorar a conectividade da floresta é um deles, e é justamente sobre a criação de corredores para as espécies. O outro critério foi a mitigação dos impactos do desmatamento sobre os recursos hídricos, porque temos diversos estudos que mostram como a vazão dos rios foi impactada pelo desmatamento nesses últimos 40 anos na bacia e isso tem consequência para a biodiversidade aquática e terrestre. O terceiro critério é o refúgio climático. O clima vai sofrer mudanças no futuro,  então, precisamos saber se as espécies poderão continuar a viver ali, não só nas condições atuais. O quarto critério foi melhorar a probabilidade da regeneração natural, porque locais onde há maior probabilidade de regeneração natural, que são usualmente áreas próximas a grandes blocos da  floresta, têm mais chance de ter dispersão de sementes para essas áreas.

Como funciona a regeneração natural?

Rosane Cavalcante – É quando se deixa a vegetação retornar por ela mesma, sem plantar nada. Algumas medidas podem ser necessárias, como cercar a área para evitar que o gado volte a pisoteá-la. Faz isto e vai acompanhando, para verificar a recuperação. O estoque de sementes que tem no solo, a rebrota das plantas ou as sementes que são levadas pelo vento ou pelos animais, recuperam aquela área naturalmente.

Como vocês escolheram esses critérios?

Rosane Cavalcante – Reunimos vários pesquisadores do ITV DS, discutimos a literatura, as condições locais, os objetivos que queríamos atingir  e debatemos bastante. Nosso objetivo era trazer benefícios para a conservação da biodiversidade em diferentes aspectos, mas também não queríamos muitos critérios para não dificultar a análise para quem vai tomar a decisão.

Entrevista/Juliana Vilhena, Fundo Vale

Quais são os focos de atuação do Fundo Vale?

Juliana Vilhena – Hoje estamos muito mais próximos da agenda de recuperação de áreas, como também de evitar o desmatamento e proteção, em função do compromisso voluntário da Vale em floresta que foi assumido em contribuição para a agenda 2030 da ONU: 100 mil hectares de recuperação de áreas degradadas e 400 mil hectares de proteção. Atuamos na Amazônia de forma prioritária, mas também em todos os biomas do Brasil.

De que maneira vocês atuam?

Juliana Vilhena – São várias frentes de atuação, mas basicamente em fomento e investimento, tanto na Meta Florestal 2030 da Vale, como na contribuição à meta de neutralidade de carbono da Vale (atingir emissões líquidas zero até 2050). Nosso objetivo é fortalecer os negócios que mantenham a floresta em pé ou que atuem para diminuir o desmatamento e preservar áreas. Nosso recurso não vai ser só doado para organizações sem fins lucrativos, mas ele vem para essa lógica de investimento em negócios que vão recuperar áreas, mas com retorno financeiro.

E qual é o melhor resultado para manter a floresta em pé? Via Fomento ou investimento?

Juliana Vilhena – Os dois métodos têm bons resultados, são uma soma de iniciativas de recuperação, conservação e manejo sustentável. Todas as iniciativas que temos de fomento ou de investimento estão atreladas a floresta e clima.

Por que o conceito é recuperação de área em vez de recuperação florestal?

Juliana Vilhena – Porque recuperamos áreas com  sistemas produtivos a partir de iniciativas que tornam possível gerar renda para produtores familiares. Então, não é somente uma recuperação florestal. Os sistemas agroflorestais (SAFs) atuam na produção de alimentos de forma simultânea com a conservação dos recursos naturais. Temos espécies florestais em conjunto com espécies produtivas – como o cacau, o açaí. 

O Fundo Vale já investia em proteção florestal, mas agora vai começar a investir com os projetos REDD, que significa Redução das Emissões por Desmatamento e Degradação florestalComo será isto?

Juliana Vilhena – O Fundo Vale está avaliando a viabilidade de originar novos projetos ou investir em projetos que já foram criados e que estão sendo certificados pelas certificadoras de crédito de carbono internacionais. Buscaremos que os projetos REDD também incluam as pessoas que vivem naquela região, desenvolvendo os projetos produtivos e fazendo com que as pessoas se beneficiem também da venda de crédito de carbono. Vai ser algo muito novo que ainda está em fase incipiente no mundo. O Fundo Vale desenvolveu o conceito de Carbono de Impacto que vai além da remoção ou emissão de gases do efeito estufa (GEE) evitada e incorpora o resultado de um investimento que catalisa o desenvolvimento socioeconômico e ambiental local, visando à geração e à distribuição equitativa, igualitária e justa de benefícios.