29/09/2022

Assinada em 1992 pelo Brasil, a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) rendeu, dez anos depois, um acordo entre os países das Nações Unidas que previa reduzir, substancialmente, a perda de espécies e seus habitats. Em junho deste ano, porém, os países signatários da Convenção pediram uma reunião para tratar do assunto na COP-27, que vai acontecer em novembro no Egito. É que há vários obstáculos que ainda estão impedindo que se realize o que foi assinado há trinta anos.

Superar tais barreiras exige um esforço coletivo, feito em parcerias. E exige conhecimento. Para contribuir com a conservação de espécies de flora e fauna, um dos projetos do Instituto Tecnológico Vale Desenvolvimento Sustentável (ITV DS) é o Amazoomics, que começou efetivamente no ano passado.

A essência do Amazoomics é fazer um tipo de mapa do pedigree de algumas das espécies que estão ameaçadas, produzindo genomas de alta qualidade. Considerando que a informação genômica é atualmente uma base de conhecimento importante para o entendimento da fisiologia e da genética, este é hoje o maior projeto de estudos genômicos da biodiversidade em andamento no país, feito em parceria com pesquisadores e entidades não só governamentais como da sociedade civil.

O pesquisador do ITV DS Alexandre Aleixo, doutor em Biologia Evolutiva, é líder do grupo de genômica ambiental do Instituto, e conta que o Projeto  Amazoomics tem vários parceiros, entre eles a Associação de Zoológicos e Aquários do Brasil (Azab). Segundo Aleixo, o projeto “olha o genoma com esse olhar, da recuperação”.

“O principal alvo do Amazoomics, além de auxiliar os jardins zoológicos do Brasil a avaliarem a saúde genética e poderem direcionar cruzamentos que garantam a diversidade genética das espécies ao longo do tempo, é evitar o endocruzamento, ou seja, o cruzamento entre indivíduos aparentados. Isto porque pode haver uma perda muito grande de diversidade genética, o que pode levar ao aparecimento de muitas doenças quanto mais aparentados forem os indivíduos durante o cruzamento”, conta Alexandre Aleixo.

É exatamente esta perda de biodiversidade, em parte causada pelo endocruzamento, a maior preocupação dos Jardins Zoológicos. E de todos nós, que sabemos a importância da biodiversidade para nosso bem estar no planeta.

Entrevista/Alexandre Aleixo

O que é genoma?

Alexandre Aleixo – É como o DNA está organizado dentro da célula, dentro do organismo. Dentro do genoma tem informações que vão determinar tudo do organismo. O que é mais fascinante é que o genoma é um código natural – muito antes de existirem os códigos humanos – que evoluiu na natureza para que as informações constando as características do organismo sigam adiante e passem para a próxima geração. Podem haver mudanças, é claro, mas muita coisa continua.

Mas o trabalho de “ler” o genoma é das células?

Alexandre Aleixo – É como se as informações do genoma transmitissem para as células o que é necessário ser feito. Não tem como falar em vida sem falar em genoma. Ele faz parte de tudo. Por conta das mudanças climáticas, por exemplo, hoje existe uma preocupação de se tornar os organismos adaptáveis a essas mudanças. Será que vai se conseguir fazer isto? Esta resposta só pode ser dada pelo genoma.

Como é o projeto Amazoomics?

Alexandre Aleixo – Hoje é o maior projeto de estudos genômicos da biodiversidade em andamento no país e tem a colaboração de pesquisadores e entidades que trabalham na conservação de espécies ameaçadas. O que nós procuramos fazer é gerar genomas de referência para 22 espécies de flora e fauna brasileiras que estão ameaçadas.

O que é genoma de referência?

Alexandre Aleixo – Vou exemplificar: se a gente imagina que o genoma é composto por quatro letrinhas – chamadas de bases (Adenina – A, Citosina – C, Guanina – G e Timina – T) -, e que a sequência delas é o que importa, um genoma de referência é como se fosse um livro com todas essas letrinhas numa resolução muito alta. Tem-se a certeza de que aquelas letras que estão ali são reais porque a leitura é feita e repetida mais de 60 vezes. A transcrição do genoma é confiável, tem praticamente zero erro de leitura.

Quais são as etapas do Amazoomics?

Alexandre Aleixo – O primeiro passo é gerar genoma de referência para as espécies da fauna brasileira que estão em listas de espécies ameaçadas. Dois exemplos: a Arara Azul e a Harpia. Depois de gerar o genoma de referência, vamos verificar se há diferenciação genética em diferentes partes da distribuição da espécie, o que é importante para o manejo. Pegar uma Harpia da Amazônia, por exemplo, e reintroduzir na Mata Atlântica, pode criar muitos problemas se as populações destes biomas forem bem diferenciadas.

Por que o projeto é feito em parceria com os Jardins Zoológicos?

Alexandre Aleixo – A primeira etapa do projeto será realizada em parceria com o BioParque Vale, que acolhe diversas espécies da fauna, porque é mais fácil fazer a coleta de material genético em cativeiro. Mas trabalhamos também com espécies fora dos zoológicos, para entender como é a diversidade genética, como ela está distribuída no espaço.

Os pesquisadores vão a campo para fazer este trabalho?

Alexandre Aleixo – No momento, estamos trabalhando com amostras que foram coletadas, em campo, por pesquisadores, há décadas.  Mas com a expansão do Projeto Amazoomics, vamos passar a ter um trabalho em campo mais forte. É preciso dizer que o Amazoomics não está inventando a roda, mas ele vai ser o responsável por gerar informação genômica que vai alimentar os programas que já estão rodando, por exemplo aqueles ligados aos Planos de Ação Nacionais (PANs)do ICMBio. É um ambiente de muita parceria.