16/03/2022

Pesquisadores do Instituto Tecnológico Vale Desenvolvimento Sustentável (ITV DS) começarão, em junho, o estudo geoquímico de bacias hidrográficas da região do Quadrilátero Ferrífero, em Minas Gerais, uma das regiões de mineração mais importantes do país. Trabalho de pesquisas semelhantes, já foram ou estão sendo feitos pelo ITV DS na Bacia do Rio Itacaiúnas (região de Carajás, no Pará) e na Baía de São Marcos (litoral do Maranhão, nas proximidades de São Luís). Eles evidenciam a perspectiva sustentável que a Vale se propõe, para além de sua visão de negócio, já que a preocupação é ter uma visão integrada da região estudada, não apenas do local onde está a mina ou a área de operação da Vale. O mapeamento geoquímico fornece um retrato confiável, produzindo o que pode ser chamado de assinatura de cada região estudada.

Com os dados colhidos pelos pesquisadores em mãos, foi possível saber, dentre mais de trinta elementos estudados, quais e em que quantidades estão presentes nas águas dos rios – ferro, cobre, níquel  etc – como também qual a contribuição da mineração para a presença de tais elementos.

Um dos estudos recebeu o nome de “Mapeamento geoquímico e estimativa de background na Bacia do rio Itacaiúnas – PA”, abrangeu a área territorial de 42 mil quilômetros quadrados, e terminou sua primeira etapa em 2019. Roberto Dall’Agnol, pesquisador do ITV DS e coordenador do estudo, explica que um dos pontos importantes do trabalho dos pesquisadores – uma equipe com cerca de 50 pessoas – foi mostrar que a assinatura geoquímica da Bacia é inerente à sua condição natural e reflete o fato de ela ser uma área extremamente rica em minérios.

“O que nos deixa tranquilos é que podemos afirmar que a Bacia é, hoje, um ambiente fundamentalmente natural, porém há evidências de ação antropogênica nas áreas desmatadas”, disse Dall´Agnol.

Métodos similares estão sendo empregados na Baía de São Marcos, sob coordenação do pesquisador do ITV DS, Pedro Walfir da Souza Filho. E, agora, uma equipe está começando os estudos também no Quadrilátero Ferrífero.

“Será um projeto grande, fomos desafiados pelos colegas da Vale. O Quadrilátero Ferrífero é uma área cuja ocupação intensa remonta ao século XVIII, quando começou o ciclo de ouro. Naquela época, as técnicas de mineração eram predatórias, com muita utilização de mercúrio. Vamos tentar entender como está o meio ambiente lá em termos de segurança química. É bem diferente de Carajás”, disse Dall´Agnol.

Analista em meio ambiente e especialista da Vale, David Soares conta que o estudo geoquímico feito pelos pesquisadores do ITV DS dá mais segurança para a empresa. A Vale tem sua rede de monitoramento e acompanha os parâmetros pertinentes a cada negócio, e os pesquisadores do ITV DS têm um olhar diferente, como se fosse uma opinião externa.

“O estudo geoquímico pode ser casado com o conjunto de monitoramento que temos. É uma ajuda, principalmente para termos respaldo para conversar com órgãos ambientais, mostrando dados assinados por acadêmicos”, disse Soares.

O projeto de mapeamento geoquímico gerou ainda um produto, o Atlas Geoquímico da Bacia Hidrográfica do Rio Itacaiúnas, elaborado pelo Grupo de Geologia Ambiental e Recursos Hídricos do ITV DS. Coordenado pelo pesquisador do ITV DS Roberto Dall´Agnol, o Atlas traduz a informação científica em uma linguagem que pode ser entendida para o público em geral. Ele contém análises químicas e físico-químicas não só das águas, mas também dos solos e sedimentos da região que buscam responder, basicamente, qual é a distribuição dos elementos e a influência das minas e outras ações do homem nas quantidades de cada um dos elementos encontradas.

“As rochas da região de Carajás são muito complexas, têm elementos que, com o passar do tempo, passam da rocha para a água. Na continuidade do projeto da Bacia do Itacaiúnas, selecionamos 50 pontos da bacia e avaliamos como se comporta a geoquímica desses lugares.  Desde 2019 estamos analisando duas vezes ao ano, nos períodos chuvoso e seco, e a ideia é continuar analisando”, disse Salomão, que estará também na equipe de trabalho do Quadrilátero Ferrífero.

Por enquanto, para acessar o Atlas Geoquímico é preciso uma senha que é gerada pelo ITV para funcionários da empresa. Os dados já foram compartilhados com a comunidade acadêmica através de publicações científicas.

Entrevista/Roberto Dall’Agnol

Pesquisador do ITV DS, coordenador do Mapeamento Geoquímico

Qual a importância do Mapeamento Geoquímico?

Roberto Dall’Agnol – É importante porque é uma referência. Com nossos estudos, pudemos mostrar que em 2017 e 2018 a Bacia do Rio Itacaiúnas tinha essa cara, fizemos um retrato dela. Temos um valor de referência – que definimos como background – na água, nos sedimentos, nos solos. E mostramos que em cada grande ambiente geológico esses valores de referência mudam. Sendo assim, não se pode definir um único valor de referência para a Bacia toda porque é simplista, e não é cientificamente adequado. Mas existe ainda outro ponto importante, que é o fato de mostrarmos que a Bacia é uma área extremamente rica em metais, altamente rica em minério. Isso é inerente à sua condição natural, que a torna ela é muito propícia a acumular certos elementos.

O que isso quer dizer?

Roberto Dall’Agnol – Quer dizer que o solo dela será naturalmente enriquecido com certos elementos, como ferro, cobre, níquel.  Não quer dizer que tenha sido uma contaminação antrópica, que a mina causou. Ao contrário. A mina está ali porque o solo já era rico. E demonstramos que fora dessas áreas há teores relativamente baixos, condicionados à geologia local. E há variações muito interessantes.

O estudo abrangeu também áreas não afetadas pela mineração. O que foi concluído?

Roberto Dall´Agnol – Escolhemos duas subbacias – do Sororó e do Rio Vermelho – áreas que não são afetadas pela mineração, e constatamos que as águas dessas bacias são excepcionalmente enriquecidas em ferro e manganês. Isso acontece também no Alto Parauapebas. Qual o fator comum dessas áreas? O desmatamento. Quando se desmata intensamente, se expõe crostas ferruginosas formadas  durante a evolução do solo, as quais são ricas nos elementos menos móveis – ferro, alumínio, manganês. Os outros, mais solúveis e móveis, vão embora com as chuvas intensas. Na época das chuvas acontece esse fenômeno, elas aumentam brutalmente o fluxo superficial desses elementos, que são encadeados para a drenagem. Isso é um dado muito interessante.  Não quero dizer que não tenha possibilidade de contaminação das águas devido às minas, isso existe. Mas não pode ser simplificado dessa forma, é preciso ter conhecimento mais profundo para fazer análises.

O estudo feito pelo ITV DS pode ajudar os órgãos ambientais?

Roberto Dall’Agnol – Avaliamos uma Bacia que tem 42 mil quilômetros quadrados e descortinamos quatro ambientes geológicos, onde definimos valores de referência: em água superficial, sedimentos e solo. Os órgãos ambientais podem utilizar isso como referência. Além de termos criado uma base de dados, que vamos disponibilizar para todos, publicamos nossos trabalhos em revistas internacionais. Isso quer dizer que submetemos nossa informação a uma auditoria externa de qualidade. Isso tem um peso enorme. E, hoje em dia, o ICMBio e o Ibama gostam porque dá segurança ambiental. A nossa grande questão é gerar conhecimento. E o que nos dá tranquilidade é saber que a Bacia do Rio Itacaiúnas é um ambiente essencialmente natural. Onde há evidência de ação antropogênica é nas áreas desmatadas. Quando se remove a vegetação, muda completamente a dinâmica.

Entrevista/David Soares

Analista, especialista em meio ambiente da Vale

Qual a importância, para a Vale, de se fazer um mapeamento das águas nas Bacias onde atua?

David Soares – É ter informação, entender a qualidade da água para saber a interferência da atividade de mineração. O ITV DS faz este monitoramento para entendimento do que está ocorrendo na bacia hidrográfica do rio Itacaiúnas. Estabelecemos uma parceria onde indicamos quais nossas necessidades e dúvidas. Apoiamos com recursos para ajudar nas pesquisas, incluindo o entendimento do background, o estado da arte da qualidade ambiental das águas. Nas suas operações a Vale possui monitoramento quali-quantitativo dos recursos hídricos e efluentes, mas esse trabalho mais abrangente, de toda a Bacia Hidrográfica, nos permite conhecer melhor a origem dos elementos que estão ali.

De que maneira será possível interferir, caso a conclusão do estudo mostre que a mineração está contaminando a água?

David Soares – Costumo dizer que o monitoramento é como o nosso extrato bancário. Antes de aparecer o saldo negativo e para o monitoramento isso é o desvio, que pode ser acompanhado pelas tendências, é hora de corrigirmos, fazer uma análise para tomadas de decisão e correção da rota. Portanto, o estudo do ITV DS amplia nosso conhecimento e nos dá segurança, porque quanto mais informação mais nos ajudará em como atuar naquela bacia hidrográfica. Estudos de geoquímica são complexos e demandam profissionais e softwares altamente especializados e com isso é perfeito ter o ITV DS para este fim, pois são pesquisadores , e possuem interação com outras universidades. É uma opinião externa.

Facilita também na hora de negociar com os órgãos ambientais?

David Soares – Sim. Com os estudos geoquímicos temos respaldo para conversar externamente, com dados técnicos assinados por professores. Até com o Conama (Conselho Nacional de Meio Ambiente), se for o caso. Aqui em Minas iniciamos uma discussão sobre a qualidade das águas dos corpos superficiais que é determinado pelo Copam (Conselho Estadual de Política Ambiental). O debate é na linha que precisamos considerar as condições naturais de cada Bacia. Como se pode cobrar um rio de ter uma qualidade que, naturalmente, ele não tem? É uma discussão boa. O pessoal do Copam entende isso, mas é complexo e demanda dados. Acredito que vamos usar esses dados colhidos pelo ITV DS para fortalecer essa visão. Por outro lado, também podemos entender, internamente, se for preciso tomar uma medida caso fique constatado que uma atividade nossa está contribuindo para a piora da qualidade da água.

Entrevista/Gabriel Salomão

Pesquisador adjunto do ITV DS

O Atlas Geoquímico é uma ferramenta que foi construída a partir dos estudos geoquímicos feitos pelos pesquisadores do ITV DS. Qual o conteúdo dele?

Gabriel Salomão – O Atlas contém análises químicas e físico-químicas de mais de 50 elementos químicos da nossa tabela periódica em três meios de amostragem: em águas superficiais, em sedimentos de correntes – aqueles que se acumulam no meio do rio – e em solos superficiais e subsuperficiais para a região do Carajás. Coletamos mais de cinco mil amostras. Ao final do trabalho, geramos mapas de distribuição geoquímica para todos esses elementos e apresentamos uma discussão: por que, em algumas regiões, essa concentração é mais baixa e em outras é mais alta?

No caso das águas, o que foi analisado?

Gabriel Salomão – As águas são o primeiro meio de amostragem que avaliamos ao se levantar qualquer suspeita de impacto antrópico. Ao invés de exibir pela área de captação, que é a área que um recurso hídrico banha, podemos mostrar no formato de drenagem. No caso do cobre, por exemplo, conseguimos gerar mapas para saber onde são as concentrações altas e baixas do cobre.

E é possível saber se o cobre está na água por conta da atividade de mineração ou não?

Gabriel Salomão – Sim, essa era a pergunta que queríamos responder. Nos nossos artigos, e isso está publicado, contamos que os resultados apontam para o fato de que essa região de Carajás é fortemente influenciada pela geologia, é natural. As rochas da região são muito complexas, há esses elementos que, com o passar do tempo, passam do sistema rocha para a água. Observamos esse fenômeno para muitos elementos químicos, o que fortaleceu ainda mais a conclusão. Não chegamos a essa conclusão olhando somente para a Bacia do Itacaiúnas, estudamos vários outros estudos de caso, nacionais e internacionais. Tivemos parceria com universidades e institutos de pesquisa nacionais (UFPA, UFPR, UFLA e MPEG) e internacionais, como o caso  da China, no projeto da Unesco (Unesco ICGG), de mapeamento geoquímico global, e com a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM), que desenvolveram projetos similares.

Esse trabalho na Bacia do Rio Itacaiúnas já está terminado?

Gabriel Salomão – O projeto Background Geoquímico da Bacia do Rio Itacaiúnas teve sua primeira etapa concluída em 2019. No mesmo ano iniciamos um novo projeto, Background Geoquímico II. Neste projeto buscamos monitorar a saúde química da Bacia ao longo do tempo. Já temos um banco de dados com dois anos de análise, e rodando. Estamos analisando duas vezes ao ano, nos períodos chuvoso e seco, e a ideia é continuar analisando. Tem vários outros parâmetros muito importantes, que passamos a considerar nesta nova etapa, como por exemplo o HPA (hidrocarboneto policíclico aromático), que são originados de combustíveis, e temos como avaliar se pode ter uma concentração que está associada a um derrame de diesel, combustíveis e graxas. Outro caso que estamos monitorando na Bacia é o uso de pesticidas, organoflorados, que podem ser substâncias nocivas à saúde química do ecossistema. Nossa ideia é expandir cada vez mais, avaliar como a área está mudando.

Vocês vão disponibilizar o Atlas para o público em geral? Qual a importância dele?

Gabriel Salomão – Sim, a ideia é disponibilizar. Dentro da temática de desenvolvimento territorial sustentável este é um produto muito forte. Com as informações disponíveis é possível saber, por exemplo, quais áreas precisam de mais atenção do que outras, o que pode ser uma grande ajuda para avaliações com base em evidências científicas. Junto com os órgãos ambientais é possível unir esforços visando a uma melhor gestão territorial. Se a gente sabe que uma determinada região tem um nível elevado de cobre, precisaremos de estudos mais apurados, como o caso de ensaios de biodisponibilidade, para avaliar o verdadeiro risco ao ecossistema. Estas informações geoquímicas podem ser utilizadas para avaliar potenciais riscos em função dos diferentes usos e ocupação da terra, como a ampliação de áreas urbanas e a criação de áreas destinadas à agricultura.