
Após realização de atividade de campo na Flona do Tapajós, pesquisadores do GBB partem para a Resex do Rio Cajari para coletar amostras de água em igarapés
A conservação da biodiversidade brasileira é urgente e, por isso, requer monitoramento ambiental contínuo para compreender a distribuição de diferentes espécies, a partir do uso de várias metodologias. O projeto “Genômica da Biodiversidade Brasileira” (GBB), desenvolvido pelo Instituto Tecnológico Vale (ITV-DS) em parceria com o ICMBio, visa sequenciar o genoma de espécies da fauna e flora brasileiras, incluindo as ameaçadas, invasoras e com potencial bioeconômico.
Em um workshop realizado em 2023, as duas entidades envolvidas no projeto decidiram utilizar a metodologia de DNA ambiental (eDNA) metabarcoding para comparar com os dados do Programa Nacional de Monitoramento da Biodiversidade do Instituto Chico Mendes (MONITORA). A técnica de eDNA metabarcoding envolve o sequenciamento de nova geração (alto rendimento) do DNA presente naturalmente no ambiente (como água, ar e solo), permitindo a identificação simultânea de várias espécies que habitam o local.
Já a metodologia do Programa MONITORA tem o objetivo de estabelecer protocolos de monitoramento factíveis e de fácil reprodução em diferentes unidades de conservação. Por meio de parcerias, o programa utiliza dois protocolos de monitoramento: o de transecção linear, em que são estabelecidas linhas contínuas para observação de espécies; e o armadilhamento fotográfico, que conta com a instalação de dispositivos fotográficos para obtenção de imagens das espécies. O pilar de orientação do GBB é então comparar os resultados da utilização do eDNA metabarcoding com os resultados já obtidos pelo MONITORA.
Igarapés do Cajari
Os primeiros passos para o desenvolvimento desse estudo já foram dados. Em Junho de 2024, pesquisadores do ICMBio, ITV e Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) realizaram uma expedição na Floresta Nacional (Flona) do Tapajós para a coleta de material. Foram 10 dias de trabalhos que resultaram na coleta de mais de 200 amostras que estão em processo de análise em laboratório.
Entre os dias 13 e 19 de Setembro de 2024, os pesquisadores realizaram a segunda etapa do estudo com a coleta de amostras na Reserva Extrativista (Resex) do Rio Cajari, no Amapá. Nesta fase do estudo, os pesquisadores realizaram coletas em ambientes aquáticos continentais, como igarapés e áreas alagadas.
Rafael Borges Valadares, pesquisador da área de proteômica ambiental do GBB, foi um dos pesquisadores que estiveram presentes na coleta do Cajari. Ele narra em detalhes como foi o processo de realizar coletas em ambientes aquáticos em um local tão distante.

“Estávamos com uma equipe mista composta de dois pesquisadores do ITV, dois bolsistas do projeto GBB, três analistas/pesquisadores do ICMBio e o motorista que era da própria reserva extrativista lá do Cajari. Nos encontramos em Macapá. Ali compramos suprimentos, água e combustível. Fizemos uma parada em Água Branca do Cajari, vila que serviu de base para a equipe nos próximos seis dias. Nos dividimos em dois grupos. Foram quatro saídas de campo, em que coletamos água de 19 igarapés”, comenta o pesquisador.
A ideia era que a coleta fosse realizada em 20 pontos, entretanto, devido às condições climáticas atreladas ao período do ano, um dos pontos estava seco, o que impossibilitou a coleta. Rafael conta também que os pesquisadores tiveram que ter cuidado durante as coletas para que os materiais não fossem contaminados com DNA humano.
“As coletas foram feitas sempre de baixo para cima do rio. Eram três pontos de coleta: o primeiro à jusante, o segundo, no meio, e o terceiro à montante, no sentido da nascente. Para cada ponto, usamos um kit pré-montado. Então, todo o material era esterilizado antes do uso”, complementa o pesquisador.
Melhorias para o MONITORA
As escolhas tanto da Flona do Tapajós quanto da Resex do Rio Cajari como locais para as coletas do DNA foram orientadas pelo fato de que nas duas regiões já existem pesquisas feitas no escopo do programa MONITORA. O analista ambiental do ICMBio, Diogo Lagroteria, explica a importância dessas áreas para as coletas e para a pesquisa como um todo.

“Nós escolhemos a Resex do Rio Cajari porque lá já existe um monitoramento contínuo da biodiversidade há muitos anos. Nosso foco principal nessas coletas são as odonatas (libélulas), que são insetos fortemente associados à água, assim como os peixes e as plantas macrófitas. Dessa forma, será possível comparar os dados já obtidos por métodos tradicionais, com os obtidos por essa nova metodologia baseada no DNA. Com isso, poderemos identificar diferenças e semelhanças nos resultados e determinar quais metodologias funcionam melhor em cada situação”, comenta Diogo.
O analista também explica que o programa MONITORA, que está implementado em boa parte das unidades de conservação do país, tem como um dos objetivos monitorar se essas unidades de conservação estão cumprindo o seu papel de conservar a nossa biodiversidade. Por isso a importância do trabalho desenvolvido pelo GBB de conseguir fazer o monitoramento de forma mais rápida, barata e mais eficiente.
“Este é um projeto piloto, mas, se obtivermos sucesso, e esperamos que sim, uma das metas do projeto é criar um protocolo que ofereça uma ferramenta mais acessível para o monitoramento da biodiversidade. Assim, não será mais necessário passar dias procurando os animais na mata ou percorrendo longas trilhas para obter resultados. Esperamos alcançar resultados mais rápidos, precisos e que contribuam significativamente para o conhecimento sobre as áreas protegidas”, reflete Diogo.
Para além das espécies
Durante a visita à Resex do Rio Cajari, os pesquisadores puderam refletir, também, sobre os diversos fatores envolvidos na conservação das espécies e ecossistemas. Segundo Rafael Valadares, a conservação exige mais do que apenas conhecimento técnico; ela depende de esforços integrados que vão além da taxonomia e da genética.
“Acredito que o fato de termos visitado um ambiente natural e preservado fez com que refletíssemos sobre o que é importante para a conservação das espécies. O projeto GBB é focado no sequenciamento genômico dessas espécies e no mapeamento de onde elas ocorrem. Entretanto, para conservá-las, precisamos de ações que vão além do conhecimento sobre taxonomia e identidade genética das espécies”, explica Rafael.
O pesquisador também ressalta que, em ecossistemas tão complexos e interconectados como os da Amazônia, cada elemento desempenha um papel crucial no equilíbrio da vida. Ele explica que, desde os menores microrganismos até os maiores animais, tudo está interligado por um ciclo de nutrientes que começa na floresta e garante a sobrevivência e a diversidade da vida aquática nos igarapés.

“Enquanto estávamos no igarapé, por exemplo, víamos insetos que habitam aquele ambiente. Esses insetos se alimentam de outros animais menores ainda, os quais, por sua vez, vão se alimentar de microrganismos, que, consequentemente, vão se alimentar dos nutrientes que vêm da floresta. Então, há um ciclo de nutrientes que vem desde a matéria orgânica da folha que cai da árvore. Isso vai ser ciclado por microrganismos, decomposto e, por fim, vai garantir o fluxo de energia para os igarapés, que são um dos responsáveis por alimentar a vida e a diversidade da fauna. Sendo assim, torna-se impossível preservar uma espécie se não há preservação do entorno”, comenta o pesquisador. Rafael ressalta ainda que “hoje, nós temos tecnologia e capacidade de entender esses ecossistemas a fundo. Dessa forma, um estudo tem que acompanhar o outro”.