08/07/2021

Para o cientista, o Jaborandi ensinou que é possível conjugar a conservação ambiental com o manejo sustentável. Para a extrativista, a planta inspira um carinho imenso, por suas características e pela importância socioeconômica que tem, não só para a sua comunidade.  Sua relevância, acredita, alcança o mundo todo.

Convidamos o pesquisador do ITV Cecílio Frois Caldeira e a extrativista Ana Paula Ferreira Nascimento, presidenta da Cooperativa dos Extrativistas da Floresta Nacional de Carajás (Coex/Carajás), para nos apresentar o Jaborandi. Em comum, ambos têm o respeito pela planta e o orgulho por estarem trabalhando para manter vivo um bem natural tão fundamental para a saúde humana. O ITV trabalha no sequenciamento do genoma do Jaborandi para mapear a diversidade genética da planta e entender como ela produz pilocarpina.

CECÍLIO CALDEIRA:

Qual a história do Jaborandi?

Cecílio Caldeira – Há relatos da planta já no século XVI ou XVII. Os indígenas usavam o Jaborandi para rituais xamânicos, o nome quer dizer “a planta que faz suar e babar”. Quando ela foi transplantada para a Europa, cientistas descobriram, no fim do século XIX, que poderiam extrair de suas folhas o ingrediente ativo chamado imidazol alcalóide pilocarpina. E descobriram que a pilocarpina tem um efeito bom não só para a salivação, como para tratar o glaucoma, já que ela ajuda a dilatar a pupila. Por conta disso, no século XX ela começou a ser explorada comercialmente, pelos alemães. Inicialmente para o tratamento do glaucoma, mas à medida que a Medicina foi avançando, o Jaborandi também passou a ser usado para tratar outras doenças. Inclusive para quem faz tratamento contra o câncer e sofre de ressecamento na boca.

Qual foi a consequência direta dessas descobertas medicinais para a planta?

Cecílio Caldeira – A descoberta desse ingrediente ativo provocou uma corrida desordenada ao Jaborandi e, como consequência, ele hoje é uma planta ameaçada de extinção. Está no “Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção”: já perdemos mais de 50% de sua ocorrência natural.

Não há outra planta que tenha pilocarpina?

Cecílio Caldeira – O Jaborandi pertence a um gênero de plantas chamado Pilocarpos, atualmente o único meio natural e economicamente viável de pilocarpina conhecido no mundo. A planta cresce no Piauí, Maranhão e aqui no Pará. Mas sabemos que há outras 16 espécies irmãs, onze delas endêmicas do Brasil (as outras ocorrem na Argentina e no México). Todas essas, porém, não têm pilocarpina em quantidade que atraia o interesse comercial. Além disso não é fácil coletá-las, porque não estão em grande quantidade. Mas existem projetos desenvolvidos para sintetizar a pilocarpina quimicamente, só que ainda custa muito dinheiro.  Uma das consequências da escassez da pilocarpina é que o colírio usado no tratamento do glaucoma vai acabar ficando muito caro por conta da dificuldade em se obter o ingrediente ativo.

O que precisa ser feito?

Cecílio Caldeira – É preciso conjugar a conservação com o manejo sustentável. Felizmente existem áreas – uma delas a Floresta Nacional de Carajás – onde ainda existe uma quantidade grande de Jaborandi e lá, por ser uma área protegida, não se pode colher a planta de qualquer jeito.  Além disso, nossos estudos no ITV – com parceiros, inclusive a Universidade de Copenhague – estão indo no caminho de fazer estudos bioquímicos e o sequenciamento genético da planta. Ou seja: estamos buscando entender qual a rota de síntese da planta para produzir a pilocarpina. Quando conseguirmos – é um estudo complexo – vamos poder cultivar a planta, ao invés de só explorá-la na natureza.

Se isso acontecer, será possível recuperar o Jaborandi?

Cecílio Caldeira – É possível conservar o que a gente tem – a diversidade que temos dentro dele. Para nossa felicidade, é uma planta que tem uma diversidade genética muito grande. Na Floresta de Carajás, existem quatro grupos genéticos de plantas que produzem a pilocarpina.  Estamos criando um banco de germoplasma para manter viva essa diversidade genética. Com ele, temos assegurada uma diversidade a longo prazo, para que a gente possa utilizar, no futuro, recriando áreas com Jaborandi. E não é só isso. Além do que a gente conversou sobre o manejo, além dessa camada genética e desse banco, o que temos feito, com o conjunto de parceiros, é identificar essas plantas matrizes, propagar no viveiro e plantar o Jaborandi nas áreas degradadas que a Vale está recuperando. Assim, ele poderá voltar a ocorrer em áreas onde não existie mais. Nossa intenção é levar também outras plantas, aquelas que achamos que têm um potencial maior de produzir pilocarpina. É um processo de longo prazo, mas é possível.

ANA PAULA FERREIRA NASCIMENTO

Qual a história do Jaborandi?

Ana Paula – Tenho um carinho muito especial pelo Jaborandi. Não só por suas características, mas pela importância social e econômica que ele tem para a nossa população, a nossa comunidade e para o mundo. E aí você me pergunta: mas… para o mundo? Por quê? É que quando se fala sobre o Jaborandi, as pessoas ligam diretamente a cosmético, a queda de cabelo. Poucos sabem que ele é um vegetal especial, o único que produz essa substância tão rica, a pilocarpina, utilizada na indústria farmacêutica para várias medicações. E tudo começa aqui, na Floresta Nacional de Carajás. Um trabalho de formiguinha desenvolvido pelos doutores da mata, que são os extrativistas. Aqui é o início de uma grande, linda história, que vai romper fronteiras. Vai sair do Estado do Pará, vai para o Piauí e, de lá, para a Europa. E volta para o Brasil, como medicação. Por isso os meus olhos brilham pelo Jaborandi. Por isso eu lhe digo que ele tem uma importância para o mundo todo.

E é importante economicamente também para as ‘formiguinhas’, como diz você…

Ana Paula – Sim! São várias famílias que vivem da coleta sustentável do Jaborandi, aqui em Parauapebas, em São Felix do Xingu, no Maranhão, no Piauí.

Estamos falando de coleta sustentável, mas nem sempre foi assim, não é?

Ana Paula – Exatamente. Tudo começou desordenado. Havia uma grande demanda por Jaborandi e as pessoas, nos anos 60, 70, não tinham esse olhar de conservação que se tem hoje aqui. A colheita acontecia desordenadamente pelos próprios extrativistas. Depois que tudo isso veio agravando a sustentabilidade e a existência do Jaborandi é que começou a preocupação com a preservação da espécie. Depois que ela entrou no livro das espécies ameaçadas de extinção. E hoje é um cenário totalmente diferente.

Você participou dessa mudança de cenário? Como foi?

Ana Paula – Foi a necessidade que provocou a mudança. Se, no passado, produzia-se tanto o Jaborandi e todas essas práticas vieram, drasticamente, afetando a produção, a qualidade da espécie, vimos que era preciso parar com aquilo. E pensamos em como melhorar para a espécie não parar de existir. Foi esse cuidado que mudou tudo.

A criação da Cooperativa foi, então, uma forma de tentar mudar este cenário?

Ana Paula – Foi. Você tem que concordar comigo: um grupo organizado é muito mais forte. E a Cooperativa veio exatamente para unir o grupo e fortalecer a causa, os atores que estão na atividade. Porque quando a gente vê nossa geração de renda correndo o risco de deixar de existir, isso nos traz muita insegurança e medo. Na bandeira do cooperativismo, a gente sempre defende que todos juntos somos muito mais fortes e podemos fazer a diferença, e foi justamente o que aconteceu. A Coex é de 2011, oficialmente registrada na Receita Federal, fizemos dez anos agora. Hoje é a nossa realidade.

Vocês têm um protocolo?

Ana Paula – Sim, a gente não coleta durante os doze meses, mas apenas entre junho e dezembro, período considerado o verão amazônico. Nos meses chuvosos não entramos na mata porque entendemos que é hora de a planta se recompor. Hoje nós somos 45 cooperados e trabalhamos na Unidade de Conservação. Os cooperados vivem a maior parte do tempo dentro da floresta, acampados, durante vinte, trinta dias, por seis meses. Vão à rua só de vez em quando.  Todos os cooperados, hoje, vivem na cidade em diferentes bairros. Coletamos todas as sementes florestais nativas, desde o jambo da mata, buriti, castanha, andiroba. Mas fazemos a coleta de maneira sustentável.

Qual a lição que o Jaborandi está dando para você e para a sua comunidade?

Ana Paula – Que é preciso cuidar para preservar por dias melhores aqui na Terra, se a gente quiser.