Inserida em um contexto de agravamento dos efeitos das mudanças climáticas, a Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas – COP 27 reafirmou a ampliação das metas estabelecidas em reuniões anteriores para garantir o cumprimento de ações sobre o clima. No encontro, líderes e representantes de diversos países debateram, por exemplo, a redução do desmatamento, medidas de adaptação a mudanças climáticas, transição energética e adoção de práticas sustentáveis pelo agronegócio.
Na pauta brasileira, o futuro da Amazônia e ações urgentes para frear o desmatamento ganharam destaque. Nesta entrevista, o Diretor Científico do Instituto Tecnológico Vale Guilherme Corrêa, biólogo com estudos genéticos e genômicos da biodiversidade amazônica e brasileira, fala mais sobre a centralidade da região amazônica nas discussões da COP 27 e sobre como o ITV e a ciência, no geral, procuram responder às demandas e questionamentos sobre a preservação da floresta.
ITV: Na COP 27, o Brasil assumiu um papel de combate às mudanças climáticas e preservação do meio ambiente, com ênfase na Amazônia. O que torna a Floresta Amazônica tão central nessa discussão?
Guilherme: Primeiro, ela vem com a questão de serviços ecossistêmicos. Dois serviços que estão muito nessa discussão são a água e a captura e o estoque de carbono da floresta. A gente sabe que a Amazônia (que por natureza sequestra esse carbono) hoje emite mais carbono do que sequestra, porque está sendo queimado. E isso é uma coisa que tem que parar amanhã!
Em relação à água, muitas pesquisas mostram que o ciclo hidrológico no país depende da floresta de pé. Então, a preservação da Amazônia é central para que a nossa água de beber também exista. Sem a Amazônia ela vai secar. E esses serviços ecossistêmicos não são os únicos, existem diversos outros.
Além disso, o outro lado é como a gente faz da Amazônia uma fonte de riqueza para o país com a floresta de pé. E aí é que entram novas tecnologias as quais nos permitam ter esse conhecimento profundo da biodiversidade e, então, trabalhar com essa biodiversidade de maneira sustentável.
Guilherme Corrêa, Diretor Científico do Instituto Tecnológico Vale, fala sobre a centralidade da região amazônica nas discussões da COP 27.
ITV: De modo geral, como os debates da COP acenam para projetos que estão sendo desenvolvidos hoje pelo ITV na região?
Guilherme: Essas discussões têm muita sintonia com o que o ITV está desenvolvendo, porque preservar a Amazônia recai em dois aspectos: um é a conservação e o outro a restauração. A gente tem ajudado primeiro em termos de priorização de áreas de conservação, que estariam sob maior ameaça de serem eliminadas e com foco em proteção de nascentes e em criação de corredores verdes. Além de mapear essas áreas, temos contribuído com algumas tecnologias para realização da restauração com espécies nativas. Proteção e restauração são essenciais, mas a gente não está falando aqui só de olhar para uma área e ver se está protegida ou se devemos plantar mudas.
O que isso traz de ganhos? Então a gente usa tecnologias para mensurar esse ganho e determinar um refinamento na quantificação de carbono capturado e estocado, tanto pela cobertura vegetal quanto pelo solo. Também são feitos estudos para determinar qual é a riqueza de biodiversidade que foi conservada ou que está sendo trazida de volta quando a gente faz restauração ambiental. Para isso, usamos tecnologias como gravação de sons do ambiente e uso de DNA ambiental para acessar a biodiversidade local.
E o outro lado é olhar para essas áreas e de certa forma colocar em vista o patrimônio genético que existe nessas regiões. Um aspecto disso é conservar a genética da biodiversidade na natureza. Precisamos desenvolver uma bioeconomia baseada em uma nova geração de tecnologias, cujo uso depende de conhecermos a genética das espécies na natureza e das espécies de interesse econômico. E quando a gente fala em geração de riqueza a partir do patrimônio genético, entramos numa linha de discussão que é das DSI (Informações e Sequências Digitais ou Digital Sequence Information, em inglês). É uma discussão que está muito em pauta, porque envolve não só o reconhecimento de onde as espécies que estão sendo usadas na geração de riqueza vêm, mas se elas vêm de populações tradicionais e originárias que precisam receber de volta pelo que foi gerado.
ITV: Mais especificamente, um dos principais objetivos da COP 27 foi reafirmar os compromissos já fixados em relação às metas de redução da emissão de gases do efeito estufa. O ITV-DS tem hoje um projeto de pesquisa que atua especificamente com recuperação da floresta e estoque de carbono. Você pode falar sobre a importância desse trabalho no atual cenário sociopolítico?
Guilherme: Está claro que o Brasil tem uma vantagem competitiva sobre muitos países, porque, felizmente, ainda há muita floresta aqui e ela tem valor. Além do patrimônio genético, a existência da floresta é de muito valor porque ela capta muito carbono. E isso pode ser monetizado para o país e para quem ajudou a capturar esse carbono, principalmente as populações originárias, que detêm uma boa parcela dessa área preservada.
A questão é: como você mensura isso e como você dinamiza esse mercado? Então a Vale já tem, em outras partes da empresa, uma inserção no mercado de carbono. A gente entra nisso com imagens de satélite e com o desenvolvimento de tecnologias, por exemplo, usando drones com câmeras, que vão permitir avaliar, de maneira mais fiel, a quantidade de carbono que está estocado na cobertura vegetal. Isso permite selecionar áreas para conservação ou para entrar nesse mercado de carbono, e até para avaliar e chamar outras pessoas que são proprietárias de terras com área preservada para participar desse mercado. E o outro lado é que, debaixo da cobertura vegetal, o solo estoca muito carbono. Mas a gente tem muito pouca informação sobre quantidade e de como poderíamos, talvez, até ajudar os solos a estocar mais carbono. Então estamos trabalhando em duas frentes: na quantificação e no estudo dos mecanismos de estocagem de carbono no solo na Floresta Amazônica.
ITV: Vemos hoje uma série de questionamentos e uma busca por respostas aos desafios climáticos e ambientais que temos vivido. Como a ciência pode dar respostas à sociedade? Qual é o papel da ciência nesse lugar?
Guilherme: O papel da ciência é central, porque não temos conhecimento sobre muitas das questões postas, especialmente em regiões mega diversas, como a Amazônia. E isso não é fato isolado, já que não sabemos a profundidade de conhecimento que se tem sobre outros biomas. E hoje tem muita gente fazendo o monitoramento dessas áreas com imagem de satélite, o que é extremamente útil. Mas quando a gente traduz o que está em imagem de satélite para a realidade do solo, há uma falta de dados para fazer essa correlação e até usar e melhor a ferramenta de satélite. Então, uma das coisas que a gente está fazendo é gerando muito dado no chão para ajudar com isso e tentando popular essa falta de conhecimento com as pesquisas que a gente faz. A pesquisa é informativa para a decisão que vai ser tomada sobre, por exemplo, quais áreas devemos preservar prioritariamente. Sem pesquisa a gente vai ter que adivinhar e aí ficamos mais propensos ao erro.