18/04/2022

Conservar a biodiversidade tem sido uma tarefa perseguida por dez entre dez ambientalistas, cientistas e empreendedores que entendem a importância disso para o ser humano e para o meio ambiente. Esta percepção foi acelerada sobretudo depois que os relatórios do Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas (IPCC na sigla em inglês) começaram a mostrar que há uma relação intrínseca entre a perda de biodiversidade e as alterações do clima.

Trabalhar no sentido da conservação da flora e da fauna, especialmente em ambientes mega diversos como a Amazônia, exige diferentes análises de dados, incluindo  modelagens de cenários. E o primeiro passo para esse tipo de modelagem é a organização e estruturação dos dados. Ao inserir a biodiversidade no contexto da Ciência de Dados, o Instituto Tecnológico Vale Desenvolvimento Sustentável (ITV DS) tem contribuído com uma das bases de atuação da Vale – ajudar a proteger uma área onze vezes maior do que a área ocupada por suas operações.

“O ITV DS nos ajuda com os nossos desafios do dia a dia, e responde questões importantes para fazermos uma boa gestão da biodiversidade dentro da empresa.  É um polo de conhecimento sobre a Amazônia”, disse a bióloga Letícia Guimarães, que trabalha na gestão corporativa de de biodiversidade da Vale.  

A primeira etapa é gerar os dados, porque para se dizer se há espécies ameaçadas, seja da fauna ou da flora, é preciso buscar essa informação. E a premissa básica é que os dados precisam ser produzidos e trabalhados para gerar valor, segundo afirma Ronnie Alves, pesquisador líder do time de Ciência de Dados do ITV DS.

“As duas palavras-chave da tecnologia de Ciência de Dados são: coleta e monitoramento. E a tecnologia entra como um elemento primordial para o monitoramento e gestão de dados de biodiversidade, operando junto com os pesquisadores, porque é esta união que vai melhorar, não só a coleta de dados, como à geração de valor dos dados coletados”, disse Ronnie Alves.

Já existem muitos dados disponíveis sobre a biodiversidade para o Brasil, armazenados em repositórios públicos de dados. A tecnologia pode ajudar a analisar essa massa de dados.  Como lembra Tereza Giannini, pesquisadora do ITV DS, “cada vez mais a tecnologia é uma aliada importante para trabalhos ecológicos”.

Tereza Giannini trabalha na interface com Ronnie Alves e ressalta ainda a importância do uso da automação em coleta de dados, que também se beneficia muito do desenvolvimento tecnológico. Ela cita como exemplo gravadores para registrar os sons da floresta e analisar o padrão de vocalização dos animais ao longo do dia.

Mas a tecnologia só agrega valor quando o ser humano ajuda, direcionando informações necessárias para que os dados sejam melhor coletados, produzidos e geridos. Cai por terra assim, segundo Ronnie Alves, o temor de que a tecnologia vá substituir o ser humano:

“A tecnologia não vem substituir, ela irá ampliar a nossa percepção de mundo”, disse ele.

Entrevista/Leticia Guimarães

Qual a importância da parceria com o ITV DS para a conservação da biodiversidade no contexto da Ciência de Dados?

Letícia Guimarães – A Vale sempre teve parceria com universidades, dependendo da região onde ela está operando e dependendo da necessidade de cada projeto. Com relação à biodiversidade, os desafios são muitos, porque ela opera nos dois países mais mega diversos do mundo: Brasil e Indonésia. Temos áreas protegidas que representam onze vezes as áreas dos locais onde operamos. Isso dá muito trabalho, gera demandas, e para isso precisamos de parceiros que possam gerar conhecimento conjunto para solucionar, tanto o desafio da gestão de nossos impactos, quanto o de proteger e restaurar áreas. Fizemos isso sempre com parcerias, mas o ITV DS tem uma característica diferente: a pesquisa é aplicada e responde perguntas e desafios específicos do nosso dia a dia. O ITV DS hoje é um grande hub de pesquisa dentro da Amazônia e consegue responder a várias de nossas demandas.

Que tipo de demandas?

Letícia Guimarães – A pesquisa é direcionada, responde questões complexas, ajuda a ampliar nossos horizontes em relação ao conhecimento da biodiversidade para que possamos fazer uma boa gestão da biodiversidade dentro da empresa. Gestão de impactos, gestão de áreas protegidas, gestão de áreas degradadas. É uma pesquisa aplicada que gera conhecimento aplicado e tecnologia, que nos ajuda nos nossos desafios do dia a dia. Por exemplo, sobre espécies que são restritas a certo tipo de ambiente e que nós não conseguimos reproduzi-lo.

Qual é a importância da área que cuida da Ciência de Dados do ITV DS para a Vale?

Letícia Guimarães –  Ela traz soluções sobre como armazenar e disponibilizar esses dados, não só para o próprio ITV DS como para áreas externas da Vale, para a sociedade e o meio acadêmico como um todo, fazendo com que esse conhecimento possa ser disseminado. Ninguém tem um banco de dados do genoma das espécies de uma área como a Vale tem agora para as espécies de Canga de Carajás. São ferramentas importantes, inclusive para a Vale dialogar com os órgãos ambientais, auxiliar na discussão de licenças, trazer soluções inovadoras para agregar credibilidade às soluções que estamos propondo.

A biodiversidade parece ter entrado no foco dos empreendedores…

Letícia Guimarães – No caso da mineração, como de qualquer outra indústria extrativista, a biodiversidade sempre esteve no foco. O mundo é que passou a dar mais importância, sobretudo com a pandemia de Covid-19. Foi quando nos demos conta de que a natureza sobrevive sem o homem, e talvez fique até melhor sem ele, mas nós e nosso negócio não conseguimos sobreviver sem a natureza.

Entrevista/Ronnie Alves

O que é Ciência de Dados?

Ronnie Alves – É uma metodologia que adotamos para poder estudar, gerar valor para os dados que coletamos. Se os dados não forem trabalhados, eles não geram conhecimento. Podemos aplicar a Ciência de Dados em todas as frentes de trabalho que temos hoje no ITV DS. E a biodiversidade é uma delas. Para constatarmos se há espécies em vias de extinção, é preciso buscar essa informação em algum lugar. Se o pesquisador vai a campo e colhe uma planta, ele não consegue dizer, sozinho, se ela é única naquele lugar. Tem que buscar um especialista e usar a tecnologia para extrair o DNA da planta, gerar dados com esse DNA e, através do banco de dados que temos disponível no campo da genética, podemos cruzar esse DNA para saber se ela está nesse banco e, só assim, dizer se ela é única ou não. Gerar o dado, portanto, é uma etapa muito importante da Ciência de Dados.

A coleta do dado, então, é a primeira etapa?

Ronnie Alves – Sim. Coleta e monitoramento são as duas palavras-chave da Ciência de Dados. Posso dar um exemplo: eu coloco a imagem de satélite e consigo saber se uma determinada área tem uma vegetação hibrida, olhando a copa das árvores. Mas eu só vou ter certeza quanto a isso se um especialista for até a área.

Onde entra a tecnologia?

Ronnie Alves – Ela entra na junção com o ser humano, para melhorar a coleta de dados e o monitoramento. A coleta é feita pelo pesquisador, que vai a campo com um dispositivo, tira uma foto de uma planta ou de um bicho, e já vai preenchendo os dados para padronizar. Temos o dado da coleta no momento que ela é feita, ou seja, temos a informação para a tomada de decisão. O monitoramento é a parte mais interessante ainda, em que fica muito claro a ajuda da tecnologia de várias maneiras. Por exemplo: temos diversos bancos de dados públicos, mas estão muito misturados. Nosso desafio – e estamos fazendo isso hoje através de uma plataforma chamada Biolink – é primeiro entrar nos diversos sistemas, colher a informação e depois fazer a fusão, linkar todas as informações para ajudar na tomada de decisão. Temos três bancos de dados públicos que o ITV DS vai agregar no sistema Biolink para fazer esse levantamento de flora e fauna.

São informações importantes para as tomadas de decisões da empresa?

Ronnie Alves – Sim, os dados completam o diálogo com os órgãos ambientais e com as comunidades. Aí começa o trabalho de curadoria, que eventualmente usa outra tecnologia. Tudo isto é Ciência de Dados. E é feito com muito cuidado, em conjunto com os pesquisadores especialistas nos temas estratégicos da empresa. É um trabalho muito amplo, e seria praticamente impossível fazer sem a ajuda da tecnologia. Mas é sempre bom lembrar que, para tudo, é preciso que o ser humano esteja trabalhando em conjunto com as máquinas.

Entrevista/Tereza Giannini

Como é o seu trabalho de modelamento de cenários no contexto da Ciência de Dados?

Tereza Giannini – Trabalho com modelagem de cenários de mudança climática desde antes de entrar no ITV DS. Sempre me interessou muito antecipar o impacto das mudanças de clima na biodiversidade. Depois que comecei a trabalhar como pesquisadora do ITV DS, tenho feito vários trabalhos analisando a biodiversidade de Carajás e quais seriam as consequências potenciais da mudança de clima sobre polinizadores e dispersores de sementes. Analisei também os impactos potenciais sobre as plantas das cangas de Carajás.

Quais são os primeiros passos desse trabalho?

Tereza Giannini – Organização e estruturação dos dados. Sem dados estruturados é impossível trabalhar com cenários, e nesse contexto, as ferramentas e princípios da Ciência de Dados são fundamentais. Especialmente em ambientes mega diversos, como a Amazônia, é importante pensar quais dados são prioritários, e como eles devem ser coletados e/ou monitorados de uma forma organizada e padronizada. Estudos ecológicos sobre esses dados só são possíveis, em geral, se as coletas forem padronizadas, com um mesmo esforço amostral, e se forem comparáveis. Definir tudo isso a priori é de grande ajuda.

É assim que funciona o casamento entre a tecnologia e a Ciência?

Tereza Giannini – A tecnologia é, cada vez mais, uma aliada importante para trabalhos ecológicos, especialmente quando se considera que muitos dados estão disponíveis em repositórios públicos de dados. Nesse caso, a análise precisa incluir tecnologia mais avançada para lidar com a massa de dados. Outra questão é, por exemplo, o uso de automação em coletas de dados, que se beneficia muito de desenvolvimento tecnológico. Temos usado, por exemplo, gravadores para registrar os sons da floresta e analisar o padrão de vocalização dos animais ao longo dia. Os gravadores são colocados em vários pontos amostrais e coletam dados ininterruptamente, ao longo de uma semana. Tudo isso é analisado via computador. Outra tecnologia importante diz respeito ao uso de drones que carregam sensores com alta resolução e podem ajudar a obter dados muito complexos e refinados sobre a estrutura da vegetação. Existem também sensores que captam informações térmicas e que podem ajudar a mapear animais de sangue quente e que ocupam o dossel da floresta, como macacos por exemplo. Essas inciativas geram dados que seriam muito difíceis de serem obtidos através de monitoramentos tradicionais.