10/11/2021

Em 2011, o governo da Alemanha se juntou à organização internacional IUCN (International Union for Conservation of Nature) e criou um desafio: restaurar 150 milhões de hectares de paisagens degradadas e desmatadas até 2020 e 350 milhões de hectares até 2030. Pouco menos de uma década depois, a iniciativa já coleciona 74 compromissos para restaurar 210 milhões de hectares.

Na Conferência do Clima (COP26), que acontece de 1 a 12 de novembro em Glasgow, na Escócia, um acordo para conter o desmatamento, com apoio dos principais países florestais, mostrou que o alerta dos cientistas do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC na sigla em inglês) foi ouvido. No último relatório, a organização advertiu para o fato de que, sem uma ação radical para recuperar as florestas globalmente, será impossível manter o aquecimento em 1.5 grau Celsius, como é desejado e necessário.

Diante desse cenário, é importante pontuar a iniciativa da Vale, que assumiu o compromisso de recuperar e proteger 500 mil hectares até 2030. Para alcançar sua meta, a empresa por meio do Fundo Vale está investindo em iniciativas de recuperação produtiva, como os Sistemas Agroflorestais (SAFs) e, para apoiar esta meta, conta com a ajuda fundamental de dois de seus braços: o ITV DS e a Reserva Natural Vale.

O ponto principal do SAF é que ele foi pensado de forma a resolver não só a questão do solo degradado, mas também a parte socioeconômica de agricultores familiares, como explica Sâmia Nunes, pesquisadora do ITV DS.  Em dois dos municípios onde a o projeto do ITV atua – Canaã dos Carajás e Parauapebas – foram escolhidas seis famílias.  Depois de capacitadas e de se beneficiarem com o projeto, a ideia é que essas pessoas possam estimular outras a investirem mais em sistemas agroflorestais como medida de subsistência ou de geração de renda maior.

“É possível fazer a colheita em vários ciclos, e o ciclo curto dá aos agricultores a possibilidade de ter algum retorno em pouco tempo. São aquelas espécies – como banana, açaí – que produzem mais rápido. Isso é importante para o agricultor ficar entusiasmado e avançar. Fizemos todo o processo em parceria com eles, porque sabemos que é importante que eles queiram para dar certo. Ao mesmo tempo, o sistema ajuda a capturar carbono, e os animais voltam, o que ajuda também a preservar a biodiversidade”, disse Sâmia Nunes.

Numa segunda etapa, uma vez escolhidas as famílias para participarem do projeto, foram selecionadas as espécies que poderiam ser plantadas. Foi nessa hora que o conhecimento científico do ITV DS ajudou:

“Foi uma construção conjunta. Cada espécie tem uma categoria para ser utilizada: a que fica melhor na entrelinha, a que fica melhor na linha, aquela que apresenta a função de cobertura do solo e vai logo ser retirada do sistema ou aquela que vai perdurar por mais tempo no sistema. Dentro desses grupos, apresentados por nós, os agricultores iam selecionando as espécies que eram do interesse deles”, conta Sâmia.

O primeiro SAF foi implantado da Meta Florestal teve início em novembro de 2019, apoiado pelo Fundo Vale. A engenheira agrônoma Bia Marchiori, da Reserva Natural da Vale, que acompanha os projetos explica esse modelo de uso do solo utiliza diferentes espécies no mesmo arranjo.

Quando as empresas fazem um projeto de recuperação, geralmente utilizam modelos como restauração florestal (buscando voltar o ambiente ao que era anteriormente plantando para voltar ao que era) ou o a regeneração natural (isolando uma área onde as plantas podem crescer ali naturalmente). Mas nenhum desses modelos é produtivo para os agricultores. O Fundo Vale propôs que se fizesse uma recuperação florestal no meio de uma recuperação produtiva.  Nos sistemas agroflorestais, é possível conciliar serviços ecossistêmicos com produtividade, além de possibilidade um fluxo de caixa contínuo já que se utilizam diferentes espécies, mesmo que uma espécie produzida seja âncora “carro chefe” – cacau, por exemplo, é maior potencial porque tem uma demanda muito grande no mercado.

Em 2021 o Fundo Vale fez parceria com cinco startups de sistemas agroflorestais, Silvipastoris e fruticultura orgânica para execução da Meta.

“O ITV DS ajuda muito com o estudo de solo, das cadeias produtivas que são gargalos práticos de quem está implantando no. Essas pesquisas apoiarão a Meta Florestal assumida pela empresa”. explica Bia Marchiori.

Entrevista – Sâmia Nunes

Foco na agricultura familiar

Qual o objetivo central do Sistema Agroflorestal (SAF)?

Sâmia Nunes – Ele foi pensado de forma a tentar resolver a questão dos solos degradados, mas também a parte socioeconômica das famílias. O projeto todo focou nos pequenos agricultores que ainda não conhecem os sistemas agroflorestais e não sabem os benefícios que eles podem trazer     . Nesse sentido, conseguimos selecionar famílias que não tinham essa prática, para que elas poderem testar.

Como foi a parte operacional do contato com as famílias? A pandemia prejudicou?

Sâmia Nunes – Sim, a pandemia prejudicou porque nosso objetivo era conversar com mais famílias. Ainda assim conseguimos fazer workshops nos dois municípios – Canaã dos Carajás e Parauapebas. Diante das circunstâncias, tivemos um número razoável de participantes, não só de funcionários da Vale, do poder público local e de agricultores que não faziam parte, mas queriam participar do projeto.

Qual a contribuição científica do ITV DS?

Sâmia Nunes – Entramos com o conhecimento daquilo que é tecnicamente mais indicado para o plantio, utilizando espécies que sejam do interesse dos agricultores familiares. Cada SAF é um modelo diferente porque cada um foi adequado à área e à família. Tentamos aproveitar algumas espécies frutíferas que os agricultores já plantavam no local, mas favorecemos alguns carros-chefes que ajudam a obter renda mais rapidamente. Açaí e cacau são dois exemplos.

Os SAFs ajudam também na questão hídrica?

Sâmia Nunes – Sim, qualquer tipo de floresta às margens de uma Área de Preservação Permanente hídrica poderá ajudar na preservação.

Entrevista com Bia Marchiori

“Fica mais fácil convencer o produtor a manter a floresta em pé”

Qual a participação do Fundo Vale nos SAFs?

Bia Marchiori – Quando a Vale assumiu o compromisso da meta florestal, o Fundo Vale propôs uma forma de fazer um projeto de recuperação diferente do que a maioria das empresas faz. A deia foi fazer uma recuperação florestal de forma produtiva.

O que quer dizer isso?

Bia Marchiori – Quando falamos em meio ambiente, normalmente costumamos tirar o homem do contexto. Mas, quando pensamos num modelo de recuperação de solo agroflorestal produtivo, estamos inserindo o homem porque ele vai conseguir plantar e tirar sua renda dali. Fica mais fácil convencer um produtor a manter a floresta em pé.

Como entra o corte de árvores no SAF?

Bia Marchiori – A madeira funciona como uma espécie de poupança, porque realmente se você planta uma árvore só vai conseguir obter uma renda com ela daqui alguns anos. Essa é mais uma vantagem do sistema agroflorestal: ele possibilita combinar com o cultivo agrícola ou com a criação animal. Ou seja: você tem um fluxo de caixa por mais tempo, já que pode começar com um ciclo curto, que vai dar renda mais cedo, e manter a árvore, que vai gerar renda mais tarde.

A proposta do Fundo Vale é só para os dois municípios?

Bia Marchiori – Não. O que o Fundo Vale propôs é recuperar os cem mil hectares – da Meta Florestal – com fomento e investimento em negócios agroflorestais que gerem impacto socioambiental positivo. Neste ano, estamos atuando em sete estados do Brasil, nos três biomas: Roraima, Pará, Bahia, São Paulo, Minas Gerais, Rondônia e Mato Grosso. Em 2020, o Fundo plantou mil hectares com a ajuda de duas startups agroflorestais, e agora estamos na parceria com cinco. Este ano de 2021 pretendemos chegar a cinco mil hectares.